Portfolio Final

O Olhar de Augusto Cabrita

Terra de pescadores e de gente dos campos. Terra dos celeiros, dos moinhos e da indústria. Terra, também ela, da fotografia. Foi aqui, no Barreiro, que nasceu um dos maiores fotógrafos portugueses do século XX: Augusto Cabrita (16/03/1923 - 01/02/1993).

(Fotografia de Augusto Cabrita)

O Barreiro sempre foi a casa de Augusto Cabrita. E Augusto Cabrita ainda hoje continua a habitar o Barreiro. Com as suas obras espalhadas pela cidade, com o seu nome em escolas, [auditórios] e passeios. Com as memórias que deixou em todos aqueles com quem contactou.
Carlos Humberto de Carvalho

Assim que os nossos pés assentam na cidade do Barreiro, rapidamente somos interpelados por este cenário. O Barreiro torna-se palco deste espectáculo onde uma pintura, inspirada numa fotografia de Augusto Cabrita, se torna protagonista. Esta homenagem ao Mestre, como era chamado, foi levada a cabo pelo "Dia B", uma ação de voluntariado que tem assumido um papel preponderante na cidade.

Estamos na Escola Secundária Augusto Cabrita, uma das cinco escolas secundárias do Barreiro. Inaugurada com o nome Escola Secundária do Alto do Seixalinho passa, no ano letivo 1987/1988, a denominar-se Escola Secundária Augusto Cabrita a 14 de janeiro de 1999, por se considerar importante atribuir-lhe um nome que fizesse parte da memória coletiva Barreirense e fosse uma referência da cultura portuguesa.
O reflexo é uma máquina do tempo
O reflexo é uma máquina do tempo





Inaugurado no dia 1 de novembro de 2003, o Auditório Municipal Augusto Cabrita caracteriza-se por ser um dos principais pólos culturais do Barreiro. Num espaço que pretende ter alma e veias artísticas, o "Auto-retrato" do Mestre cruza-se, nesta fotografia, com a figura do seu neto (também ele Augusto Cabrita). Os seus olhares têm, curiosamente, direções apostas: um era apaixonado pela fotografia, o outro nem por isso o é. Nunca se chegaram a conhecer, dado que o neto nasceu um ano depois do avô falecer. Metaforicamente, o reflexo é uma máquina do tempo.

Como referido anteriormente, o Barreiro é uma terra de pescadores. Os presentes na fotografia encontram-se a tentar a sua sorte no Passeio Ribeirinho Augusto Cabrita. Este oferece uma vista panorâmica sobre o Tejo, desde a Ponte 25 de abril à Vasco da Gama. Era, no fundo, um dos lugares predilectos de Augusto Cabrita, ele que sempre amou e guardou o Tejo no seu coração.

Ao caminharmos por este passeio, deparamo-nos com um graffiti que está a ser pintado pelo artista Sérgio Odeith. É neste graffiti que a figura do Mestre é, mais uma vez, homenageada, com o seu olhar voltado para o rio. Desta vez, é da arte de Odeith que nasce a imagem e a homenagem a Augusto Cabrita.






O prólogo da minha volta de todos os dias é exercitar o olhar através da janela do meu quarto, mal ensaio os meus primeiros golpes de vista, sinto que já ganhei o mais belo prémio do mundo:

Tenho o Tejo à minha frente.

Augusto Cabrita

A curiosidade não matou o gato
A curiosidade não matou o gato
O filho (lado esquerdo) e o neto (lado direito) de Augusto Cabrita param, nesta tarde, para observar e falar sobre a obra, ainda meio pintada. Entretanto, um citadino barreirense chega, pára e, levantando a cabeça, também ele contempla esta homenagem.

Continuemos a caminhar pelo Passeio Ribeirinho. Ao fundo, avistamos a primeira fábrica implantada pelo grupo CUF (Companhia União Fabril), no ano de 1907. Augusto Cabrita dedicava parte do seu tempo a olhar e a fotografar este lugar. O homem, o rio, o voejar grotesco das gaivotas, as tarefas das mulheres, os hangares, os armazéns, os movimentos inseguros das crianças, os cirros das nuvens, os vapores, tudo fazia parte do olhar deste senhor, onde não havia espaço para o vazio.





É agora fim de tarde no Passeio Augusto Cabrita. Abrimos a porta do carro e metemos a chave na ignição. A luz dos faróis incide sobre o passeio. É hora de ir para casa.

Truz truz. "Posso entrar?"

Numa das viagens extraordinárias a Lisboa levaram-me ao Barreiro à casa de Augusto Cabrita. E aí descobri um universo que ainda hoje me acompanha. O piano de cauda da sala remetia-me para as minhas aulas de música, e descobri que ele também era pianista; as estranhas cadeiras dos Eames, do Breur, do Saarinen tinham as formas certas do seu espírito inquieto, inconformado e em busca; os quadros das paredes eram tantos, tão bonitos e simbólicos que ditavam todas as questões do mundo e finalmente, as estantes repletas de livros fechavam um rectângulo repleto de informação, ao mesmo tempo, próxima e inalcançável. Não sei se nesse dia decidir que me iria dedicar às artes, mas seguramente, naquele momento, senti que alguma coisa se transformava no mundo que eu tinha conhecido até então.

Miguel Valverde

Fotojornalista de revistas como Eva, Flama e Século Ilustrado, Augusto Cabrita marca a história da Fotografia em Portugal. Contudo, foram os trabalhos para a televisão, ao serviço da RTP, assim como para o cinema, que tornaram o seu nome particularmente reconhecido.
Na Televisão foi testemunha de momentos históricos, participando na cobertura da visita da Rainha de Inglaterra Isabel II, no ano de 1957. Em 1961, vai em reportagem para Angola testemunhar o início da Guerra Colonial. Já no Cinema, foi uma longa metragem realizada por Fernando Lopes e de nome "Belarmino" que lançou Augusto Cabrita na história do Cinema Português.

Augusto casou-se com Maria Manuela do Carmo Cabrita, com a qual teve três filhos: Manuela, Augusto e Luísa. A data de 29 de Outubro marca o aniversário do seu segundo filho, que além de ter herdado o nome do pai, herdou também o amor pela fotografia.

Fotografia de Augusto Cabrita
Fotografia de Augusto Cabrita

Augusto Cabrita traz-nos uma coisa que parece um milagre: a neve. A neve no Barreiro. Algo inaudito mas que a sua câmara foi capaz de captar, no ano de 1953.

O Barreiro nos anos 40-60

Há uma maneira de olhar e uma maneira de dizer chamadas Augusto Cabrita. É o toque, o tom, o estilo, a dedada pessoal e intransmissível deste artista singular, que "diz" os rostos (por exemplo: os rostos de Belarmino e de Amália Rodrigues, Ary dos Santos, Lopes-Graça, José Gomes Ferreira) como se nos rostos houvesse, invisíveis, todas as vitórias e todas as derrotas de uma vida: a questão é descobri-las.

Baptista-Bastos

Em 1970, Augusto Cabrita fotografou a célebre capa do álbum discográfico de Amália Rodrigues.

Fosse acompanhado pela máquina fotográfica ou, mais tarde, pela câmara, Cabrita nunca estava só.
Afinal, só os bichos e os deuses podem vir sós. O homem, esse, nunca.
Páginas de mestria
Páginas de mestria

Na sua sala, somos ainda capazes de encontrar esta prateleira repleta de livros, nos quais contribuiu com o seu trabalho fotográfico. Entre eles estão, entre outros, Cozinha Tradicional Portuguesa, As mais belas vilas e aldeias de Portugal, Parques e reservas naturais de Portugal, Na Outra Margem, Os mais belos castelos de Portugal, Os mais belos rios de Portugal.

Mestre, qual é o seu segredo? O Augusto deu-me a primeira lição: Primeiro, é preciso saber olhar, depois é preciso uma tensão sobre o acontecimento. A fotografia acontece quando a vida fica suspensa e eterna.
Depois de este mágico dia da minha vida passaram-se muitos anos. O Augusto ficou para sempre a maior referência da minha profissão e o meu melhor amigo. Ensinou-me a olhar, mas não me ensinou a viver com a saudade e a tristeza que o seu desaparecimento deixou na minha vida.

António Homem Cardoso

Fragmentos de um tempo vivido
Fragmentos de um tempo vivido

O dia seguinte é um novo dia. Antes da partida, passamos pela casa onde nasceu Augusto Cabrita. Um lugar que acarreta agora fragmentos de um tempo vivido. Lugar esse que guarda a memória de um olhar moldado na multiplicidade de saberes, um olhar curioso e afectuoso, crítico e rigoroso. Um olhar de um Mestre que possuía a rara capacidade de fundir linguagens diversas. "A fotografia é um olhar natural" - disse um dia Augusto Cabrita. Poderia repeti-lo sempre, porque esta era a verdade do seu trabalho.

A sua verdade.

Ana Valente, Ciências da Comunicação, FCSH-UNL
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